Homem pode negar fogo?

Homem pode negar fogo?

“Homem que é homem não nega fogo”. “Homem tem que comparecer na cama”. “Se deu mole, tem que pegar”. “Perdeu a virgindade? Agora você virou homem!”. “A cabeça de baixo manda na cabeça de cima”. “Sou imbrochável”. “Toda hora é hora de transar”. Essas frases fazem parte do – muitas vezes infantil e babaca – vocabulário masculino, e você já deve ter ouvido algum homem repeti-las. Ou mesmo alguma mulher. No imaginário popular, ainda está impregnada a ideia de que o homem está sempre disposto para o sexo, tal qual uma máquina perfeita, que nunca falha. E se falta na “hora H”, é menos macho, viril e competente.

O psicólogo e especialista em terapia sexual Rodrigo Torres diz que esses são discursos do machismo e do patriarcado e que nossa sexualidade está embasada na nossa cultura, que ainda insiste em reproduzir diversos preconceitos e definições ultrapassadas, e em esferas biológicas, psicológicas, sociais e culturais.

A ideia de que o homem pensa com a “cabeça de baixo”, muitas vezes usada para “passar pano” para atitudes condenáveis, e que gosta mais de sexo do que a mulher não pode ser tomada como verdadeira.

Somos bombardeados por imagens que objetificam e erotizam o corpo feminino, como se ele existisse em função do prazer masculino. Temos aí um grande problema: a sociedade machista autoriza o homem a pensar mais sobre sexo, nem sempre de uma maneira adequada. “O falo é o centro de tudo, o homem é o dono do dinheiro, do trabalho, da política, e ele acaba também se autorizando a pensar e a experimentar o sexo de acordo com as suas regras”, observa Torres.

Os homens têm, entre si, diferenças sociais, intelectuais, cognitivas. Entender a complexidade, a diversidade e as vulnerabilidades é um dos caminhos para avançar e evoluir em questões que dizem respeito a homens e mulheres de todas as idades. “O homem que não nega sexo quer se encaixar dentro de um estereótipo de masculinidade, mas temos que romper com isso, debater. Esse pensamento gera sofrimento, mal-estar e desequilíbrio emocional. Estamos tentando quebrar essa cadeia.

Julgamentos

Autocobrança, pressões externas e falta de diálogo com amigos por medo de julgamentos e brincadeiras hostis ainda perseguem muitos homens. Saber lidar com as inseguranças é importante para não encarar os eventuais problemas num beco solitário. O administrador Marcos Almeida, 37, afirma que muitos homens querem ter uma vontade sexual insaciável e um desempenho perfeito e que isso pode acabar moldando uma noção mentirosa de sexo.

Sobre a necessidade de compartilhar sentimentos, dúvidas e escutas com outros homens, Almeida diz: “Precisamos evoluir muito ainda, porque o homem já tem problema para falar de suas vulnerabilidades, tem alguns bloqueios, principalmente quando o assunto é sexo. O homem gosta de falar bobagem, mas os pontos sensíveis ele guarda como se fossem fracassos, e não tem nada disso”.

O fundador e diretor de pesquisa do PapodeHomem/Instituto PDH, Guilherme Valadares, ressalta que é fundamental desconstruir a ideia de que o homem está sempre pronto para transar. “Isso nos prende numa caixinha de performance, como se fôssemos máquinas sempre dispostas e interessadas em qualquer oportunidade de fazer sexo”. Segundo ele, isso traz sérias consequências e acaba por cultivar nos homens uma imagem “coisificada” da mulher, reduzida, assim, a um ser que deve ser caçado, conquistado e dominado, puro objeto para o prazer masculino.

“Por outro lado, a gente passa a ter uma vivência muito centrada no falo, de estar sempre com o pênis duro e ser capaz de penetrar o máximo possível. Isso vai se intensificado à medida que temos gerações que estão sendo cada vez mais educadas com a pornografia, que nos passa uma ideia de sexo completamente irreal”, acrescenta Valadares.

Pornografia: cuidados e consequências 

De acordo com a pesquisa “O Silêncio dos Homens”, realizada pelo Instituto PDH em parceria com a Zooma Inc. em 2019, 24% dos homens brasileiros se autodeclararam viciados em pornografia. Foram 20 mil entrevistados. O dado deve ser visto com preocupação. Para a psicóloga e psicoterapeuta sexual Théa Murta, a pornografia traz uma deseducação sexual e uma ideia irreal do que é o sexo, com ereções infinitas, pênis enormes, o homem focado no seu próprio prazer e uma atenção muito centrada somente na penetração.

Com a popularização das tecnologias e dos smartphones, hoje basta um clique para acessar esse tipo de conteúdo. E isso acontece com cada vez mais facilidade mais independentemente da faixa etária – basta pensar que muitos adolescentes ainda nem deram o primeiro beijo e já têm contato com uma ideia de sexo passada pela pornografia.

Théa alerta que condicionar o cérebro a sentir prazer tendo como gatilho aquele estímulo visual pode trazer impactos como problemas de ereção, ejaculação precoce: “Muito provavelmente esse adolescente vai tentar reproduzir, entendendo que é um sexo de macho, de homem viril. Quando ele se depara com a realidade, muitas vezes ele não vai conseguir fazer o que a pornografia mostra e vai se frustrar, porque ficou preso naquela imagem do sexo falocêntrico, em que o sinal de virilidade está somente na ereção. E, se não existe ereção, não tem virilidade masculina”.

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